Planejamento Patrimonial Internacional e as Novas Regras Brasileiras de Tributação de Trusts e Bens no Exterior
O Brasil está implementando mudanças importantes em sua legislação tributária, especialmente no que se refere à tributação de rendimentos obtidos no exterior por residentes fiscais no país. A publicação da Lei n° 14.754, em 13 de dezembro de 2023, marca uma nova etapa na regulação de entidades controladas, como offshores e trusts. Essas ferramentas, amplamente utilizadas para proteção patrimonial e planejamento sucessório, passam agora a estar sujeitas a novas exigências de tributação.
A Lei n° 14.754 define entidades controladas no exterior como sociedades, fundos de investimento, fundações e demais entidades, personificadas ou não, nos quais a pessoa física residente no Brasil exerce controle direto ou indireto. Esse controle pode ser caracterizado
por:
1. Predominância nas deliberações sociais ou poder de eleger/destituir administradores;
2. Posse de mais de 50% (de forma isolada ou em conjunto com pessoas vinculadas) do capital, lucros ou no recebimento de ativos em caso de liquidação. Pessoas vinculadas incluem cônjuges, companheiros, parentes até o terceiro grau, ou pessoas jurídicas ligadas à pessoa física por administração ou participação relevante (mais de 10% do capital social votante).
As apólices de seguro resgatáveis no exterior são consideradas controladas se o investidor puder influenciar as estratégias de investimentos que:
(i) Estiverem localizadas em países com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado; ou
(ii) Apurarem renda ativa própria inferior a 60% da renda total.
Tributação de Empresas Offshores e Regularização de Bens no Exterior
A nova regra estabelece que rendimentos de empresas offshores sob controle de residentes fiscais no Brasil estão sujeitos à tributação. Lucros apurados a partir de 1° de janeiro de 2024 deverão ser declarados na Declaração de Ajuste Anual (DAA) e tributados à alíquota de 15%, encerrando o regime de diferimento de imposto que vigorou por tantos anos.
Como contrapartida, a Lei n° 14.754 permite a compensação de prejuízos na DAA sem limite de prazo.
Desafios da Tributação dos Trusts: Simplificação e Limitações
Os trusts são mecanismos de planejamento tributário e sucessório muito utilizados em países de Direito Anglo-Saxão como ferramenta de preservação do patrimônio e planejamento sucessório. A Lei n° 14.754 determina que sejam declarados, mas trata os bens e direitos sobre os ativos do trust de forma simplificada, ignorando a sofisticação e o funcionamento dessas estruturas.
No Brasil, cujo sistema jurídico é baseado no Direito Civil, a abordagem simplista da lei pode gerar conflitos conceituais e prejudicar fiscalmente beneficiários que não têm controle sobre o que eventualmente irão receber de um trust.
Estruturas de trusts geralmente envolvem três partes principais:
Settlor ou Grantor – quem cria e transfere bens para o trust;
Trustee – administrador dos ativos do trust conforme as regras estabelecidas no Deed of Trust;
Beneficiaries – pessoas, empresas ou instituições que recebem rendimentos e/ou ativos do trust.
Os trusts podem ser classificados de inúmeras maneiras, mas, para nossos fins, o mais importante é a distinção entre trust revogável e irrevogável. De forma resumida, o trust revogável pode ser alterado e permanece sob o controle do grantor até seu falecimento, já o trust irrevogável não pode ser modificado e seu controle é exercido pelo trustee em conformidade com as regras do Deed of Trust. Nesse sentido, os ativos de um trust revogável pertencem ao grantor, mas os de um trust irrevogável pertencem ao próprio trust.
A Lei n° 14.754 acerta ao determinar que os bens de um trust revogável são de titularidade do settlor. Contudo, é equivocada ao impor aos beneficiários de um trust irrevogável a responsabilidade de declarar ativos que muitas vezes desconhecem, seja pela ignorância da existência da estrutura ou pela ausência de comunicação sobre sua condição de beneficiário até um evento de distribuição. Nesse caso, quem deverá declarar os rendimentos na DAA se o beneficiário não tiver ciência de sua posição?
Solicitação de Informações ao Trustee
Os artigos 10 e 11 da Lei n° 14.754 levantam questões práticas relevantes ao exigir que settlors ou beneficiários solicitem informações ao trustee para fins de declaração fiscal no Brasil. Essas disposições apresentam desafios, pois trustees estrangeiros não têm obrigação legal de fornecer tais informações, já que operam fora da jurisdição brasileira e seguem as regras do país em que o trust foi constituído. Ademais, ainda que os beneficiários tenham conhecimento do trust, eles não dispõem de qualquer fundamento legal para compelir os trustees a fornecerem as informações exigidas pela Lei n° 14.754.
A ausência de mecanismos eficazes para garantir conformidade pode gerar responsabilidades fiscais desproporcionais, obrigando contribuintes a declarar rendimentos que não receberam. Isso é particularmente relevante em casos onde beneficiários não têm controle ou reconhecimento de sua posição dentro da estrutura do trust até que ocorram eventos específicos, como distribuições.
Além disso, a lei ignora a multiplicidade de modalidades de beneficiários existentes, como, aqueles que têm direito apenas aos rendimentos, aqueles que têm direito ao principal ou a ambos, ou aqueles cuja distribuição depende de condições, como casamento sob regime de separação de bens, conclusão de um curso específico, etc. Essa complexidade, ignorada pela Lei n° 14.754, gera distorções fiscais e insegurança jurídica.
Planejamento Patrimonial Global: A Urgência de Revisão e Consultoria Especializada
As mudanças na legislação brasileira reforçam a necessidade de um planejamento patrimonial mais cuidadoso e alinhado às novas regras fiscais. Ferramentas como trusts, seguros de vida e estruturas offshores, aliadas a uma consultoria estratégica, asseguram a conformidade com normas fiscais complexas.
Conclusão
As novas regras de tributação no Brasil refletem o esforço governamental para aumentar a transparência fiscal e a arrecadação. Contudo, a simplificação das normas para trusts revela uma falta de adaptação às nuances dessa estrutura, gerando desafios jurídicos e financeiros para residentes no Brasil com estruturas sofisticadas no exterior.
Nesse cenário, é fundamental que indivíduos e famílias revisem suas estratégias patrimoniais e busquem orientação especializada, garantindo que suas estruturas estejam preparadas para os desafios e obrigações fiscais do contexto atual.