Principais Erros no Planejamento Sucessório: Parte I - Noções Básicas
Vamos abordar essa questão de forma simples e objetiva. O principal erro, e também o mais comum, em planejamento sucessório é justamente a ausência de qualquer planejamento. Pode parecer uma coisa óbvia, mas, ainda assim, é um erro gravíssimo. Processos de inventário costumam ser difíceis, caros e demorados, e acontecem quando as pessoas não querem lidar com eles - imediatamente após a morte de um ente querido. Para complicar ainda mais, a incidência de impostos de transmissão, que poderiam ter sido evitados, fará com que grande parte do espólio seja destinada ao governo.
O segundo erro mais comum é ter feito um planejamento sucessório, mas não efetivá-lo. Isso pode parecer incrível, mas acontece com bastante frequência. Os exemplos mais comuns são deixar de assinar um testamento ou não disponibilizar recursos em um trust, depois de ter assinado e registrado o instrumento para sua constituição com o notário. Não implementar um planejamento sucessório é tão ruim quanto não ter um, ou talvez até pior, o planejamento foi feito e foi pago.
Podemos utilizar o caso de Michael Jackson como exemplo: dez anos após a morte do cantor, seu inventário pode ainda demorar anos para ser finalizado judicialmente, simplesmente porque ele deixou de disponibilizar recursos em seu trust. Um advogado pode elaborar todos os instrumentos mais perfeitamente redigidos e minuciosos do mundo, mas se você não seguir as instruções do profissional contratado, é dinheiro jogado fora.
Se tivesse recebido os recursos aplicáveis, o trust de Michael Jackson teria ajudado os membros de sua família a evitar completamente o processo de inventário e permitido a distribuição eficiente de centenas de milhões de dólares em ativos. Infelizmente, Jackson nunca transferiu a titularidade de seu patrimônio para o trust – um processo conhecido como “capitalização” (em inglês, “funding”) do trust. Essa falha na disponibilização de recursos para o trust impediu que o instrumento tivesse uma eficácia integral, servindo apenas para dar à Vara de Família uma ideia de como ele queria que seus ativos fossem distribuídos, embora de forma não vinculante do ponto de vista legal. Dez anos depois, os membros da família de Jackson, seus credores e a Receita Federal Norte-Americana continuam a lutar pelos bens do espólio no inventário.
Outro erro de planejamento bastante comum e fácil de corrigir, é deixar de nomear beneficiários. A maioria das contas bancárias e de investimento, assim como apólices de seguro e outros ativos, podem ser transferidos para outros sem a necessidade de documentos legais ou de um processo de inventário. Isso é feito através do procedimento conhecido como designação de beneficiários. Essa designação permite que um correntista, por exemplo, especifique a pessoa ou pessoas para quem os ativos da conta devem ser distribuídos no caso de sua morte. A instituição na qual os ativos são mantidos distribuiria os ativos para os beneficiários designados após o recebimento de notificação acerca do falecimento do titular da conta.
Mesmo quando os beneficiários são designados no planejamento sucessório, ou seja, por meio de instrumento de constituição de trust ou testamento formal, um erro comum é deixar de atualizar os beneficiários. É importante ter em mente que os mais variados tipos de eventos importantes da vida podem acontecer depois da implementação do planejamento sucessório - as pessoas têm filhos, se casam, morrem - e todos podem afetar a forma e as pessoas para quem você deseja que seus ativos sejam distribuídos. Deixar de atualizar os beneficiários pode significar que uma criança mais nova seja deixada completamente de fora do planejamento, ou que uma ex-mulher tenha direito a bens em virtude do planejamento ter sido implementado durante um casamento que terminou em divórcio.
Uma das estratégias de planejamento tributário mais comumente negligenciadas envolve um dos princípios mais antigos e frequentemente recomendados em planejamentos tributários, ministrado em aulas básicas de direito societário nas faculdades - para fazer uso da isenção anual de impostos sobre doações. Uma pessoa física pode atualmente realizar doações isentas de impostos, de até US$ 15.000 por ano por donatário. Isso significa que você pode doar US$ 15.000 para quantas pessoas quiser a cada ano sem pagar nenhum imposto sobre doações. Além disso, a isenção anual do imposto sobre doações não afeta o montante cada vez maior do crédito unificado, atualmente definido em 11,4 milhões de dólares para um único contribuinte, embora este valor deva expirar em 2025.
Também em relação ao crédito unificado, um erro de planejamento tributário, com o potencial de ser um dos erros mais devastadores financeiramente, é não tirar proveito do reajuste de valor (em inglês, “step-up in basis”) de heranças. O step-up é implementado através do reajuste do valor do bem transferido em caso de falecimento, ou no custo para fins tributários, para o valor de mercado do bem no momento da transferência. Esse tratamento é diferente do atribuído a bens transferidos em vida, em que a base de cálculo original do doador é transferida para o destinatário. O step-up elimina a incidência de impostos de ganhos de capital do herdeiro sobre qualquer aumento no valor do ativo que tenha ocorrido durante a vida da pessoa falecida.
O step-up permite a transferência de ativos aos seus entes queridos, após sua morte, com isenção tributária sobre potencialmente milhões em renda. Por exemplo, digamos que você e seu cônjuge mantenham ativos com uma base fiscal significativamente inferior ao valor de mercado atual dos ativos. Você pode ter comprado um imóvel por US$ 100.000 em 1960, que agora vale US$ 22,8 milhões. Com um planejamento adequado que permitiria que um dos cônjuges aproveitasse o crédito fiscal unificado do outro cônjuge, você poderia usar o valor integral de US$ 22,8 milhões do crédito para obter o reajuste do valor (“step-up”) para US$ 22,7 milhões. Quando você falecer, se esse imóvel for herdado por seu único filho por testamento ou por meio de um processo de inventário, seu filho receberá o ativo e assumirá um ativo com base fiscal equivalente ao valor de mercado atual de US$ 22,8 milhões. Todos os US$ 22,7 milhões de ganho de capital podem ser obtidos por meio da implementação de planejamento sucessório.
Como se pode notar, os erros de planejamento sucessório variam desde erros bastante triviais a outros mais complicados de entender e implementar. Com uma assessoria adequada, o planejamento sucessório pode ser estruturado de modo a fornecer uma infinidade de benefícios para seus entes queridos quando você morrer. Nosso próximo artigo abordará aspectos um pouco mais complexos do planejamento sucessório internacional, no que se refere a contribuintes estrangeiros, inclusive em relação àqueles que planejam se tornar residentes nos EUA para fins fiscais.